Entre você e o tempo

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Você pediu e eu deixei, ou não tive escolha senão dizer “vá”.

O gosto salgado da dor deixava minha garganta seca, um nó prendia até mesmo minha respiração, lá estava eu... Caindo do salto, jogada ao chão sem fazer questão de me levantar. Por alguma razão minha perna doía, talvez pudesse ser o chão frio que meus pés nus agora tocavam, talvez eu tenha me apoiado naquela perna quando caíra de tão alto.

Naquela manhã havia caminhado pelo parque como sempre fizera, uma rotina inflexível, passava na padaria, comprava pão francês e voltava para casa. Mas não me referiria àquela manhã caso meu celular não houvesse apitado quieto no meu bolso com uma mensagem sua, pedia que fosse ao meu apartamento a qualquer momento, porém a urgência de um agora estava clara em cada espaçamento de palavras digitadas rápidas e sem muita preferência de uma boa ortografia. Agora. Só agora percebo que você nunca foi admirador de ‘agoras’, gostava de venerar seu próprio tempo, sem pressas e enganando os compromissos, assim como as responsabilidades. Agora de presente, agora de já. Qualquer que seja, você não está em mais nenhum tempo além do passado.

Era dona de desafios, existia em mim uma coragem absurda que não esperava e me levava com ela. Não precisava muito para que eu partisse, aliás, bastava pouco para que eu ficasse. Já não sei mais quem disse adeus, fora eu? Era amor, era também orgulho. E havíamos deixado que ele crescesse mais que o que sentíamos, se um de nós disse ‘fim’, então mesmo que a vontade de voltar fosse incurável o orgulho não deixaria que ficássemos juntos novamente. Aquele seria o fim, pois só foi dito uma única vez. De todos os nossos tchaus, um adeus nunca fora pronunciado.

Quanto tempo faz desde então? Pergunto-me se conseguiu ter a paz de uma noite de sono, ou, simplesmente, ter paz a qualquer hora do dia para fazer café e ler um livro. Estive deitada por dois dias, pensei em três formas de morrer para cada dia do ano, mas percebi que já morria, não precisava de sangue ou prédios. Minha perna continuava a doer, e agora tinha medo do piso, nem mesmo a fome me tirara do quarto. Sei que começava a preocupar quem se preocupava comigo, apesar disso não sabia como agir senão continuar deitada esperando que o tempo me curasse. Ou que você, por alguma razão ou ventura, aparecesse para me salvar de uma vida sentindo sua falta. Sem que precisasse de segundas opções. Eu o dizia que minha cura não era você, mas que essa só poderia ser encontrada num abraço seu.

Você se esqueceu, ou se esqueceu de lembrar.

As lágrimas haviam cessado após um dia e uma noite de choro constante, os olhos ainda marcados vagavam sem que vissem um só enfeite do quarto, apenas olhando as lembranças que ainda jorravam na minha frente, essas não haviam parado por um só instante. Contínuas e doridas. Havia tentado ouvir Pouca Vogal e Esteban, mas tudo parecia estar conjunto com o que sofria, e calada fechava o notebook implorando por silêncio ou que o silêncio gritasse.

Era fim de domingo, e meu ego estava ferido, uma monotonia que em mim não era habitual. Sabia que amanhã seria segunda e tanto a dor como a angústia estariam presentes por semanas ou anos até que você fosse embora de mim, mas também estava ciente de que o tempo estava me deixando sozinha, precisava de alguns passos para então voar com o vento. E talvez, num dia desses, eu volte a senti-lo. 


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